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RELAÇÕES ENTRE ESTIMULAÇÃO, APRENDIZAGEM E PLASTICIDADE CEREBRAL

Até pouco tempo, acreditava-se que após o nascimento, os neurônios eram incapazes de se recuperar de lesões e não podiam se autorreproduzir. No entanto, atualmente sabemos que essa teoria não é completamente verdadeira. No sistema nervoso periférico está bem estabelecida a capacidade de regeneração dos nervos e terminações nervosas. E, no sistema nervoso central (SNC), diversos estudos científicos têm mostrado que os neurônios são capazes de regenerar, se modificar durante toda a vida, e até mesmo de se autorreproduzirem em alguns locais do cérebro. Essa capacidade adaptativa do SNC, a habilidade para modificar sua organização estrutural e funcional em resposta à experiência, ou seja aos estímulos ambientais denomina-se Plasticidade cerebral.

Essa capacidade de adaptar-se, e modificar-se ocorre através dos seguintes dispositivos:

  • eliminação dos neurônios que não são utilizados;
  • manutenção do dinamismo morfológico e funcional daqueles neurônios que são utilizados, através do crescimento dos seus dendritos e axônios;
  • modificação na produção das substâncias neurotransmissoras (moléculas químicas);
  • modificação das estruturas envolvidas nas sinapses (dendritos, espinhas dendríticas, terminal axônico);
  • formação de novas sinapses.

 

Nas sinapses, os impulsos nervosos (informações) chegam através dos axônios e provocam a liberação de neurotransmissores nos locais de “contato”, que podem ser nos no corpo celular, axônio, dendritos, sendo que este último representa o maior local de sinapses. Mais dendritos significa mais conexões, e menos dendritos, menos conexões. A alteração na estrutura dendrítica, implica alteração na organização sináptica.

Assim, através das sinapses, as informações são transportadas, processadas e armazenadas no SNC, e representam o fenômeno biológico envolvido com atividades cognitivas como memória, inteligência e comportamentos e outras atividades não cognitivas.

Todas as atividades como caminhar, dançar, escrever, ler um livro, memorizar a tabela periódica tem o envolvimento de sinapses. Novos aprendizados, desenvolvem novas sinapses, que aumentam o número de comunicações entre os neurônios que são solicitados para o desempenho de atividades físicas e mentais (vida de relação) e para o controle de nossas funções vitais (vida vegetativa).

Devido a sua plasticidade, nosso cérebro irá constituir-se durante toda a vida numa obra de arte inacabada pois, a cada novo estímulo, a cada nova necessidade de interação e, principalmente, a cada nova aprendizagem, novos circuitos neuronais são ativados, novas sinapses são formadas. Os neurônios envolvidos aumentam o seu vigor funcional reduzindo a possibilidade de serem eliminados através da apoptose.

Ao nascimento, o número de neurônios existentes em nosso sistema nervoso é muito maior do que precisamos para realizar nossas atividades físicas e mentais, no entanto, o bebê não consegue realizar tarefas que parecem simples como falar, controlar o ato de urinar, e,simplesmente ficar de pé. Isto decorre da imaturidade biológica do sistema nervoso, apesar de ter número excessivo de neurônios, estas células ainda não estão se comunicando adequadamente, devido às poucas conexões neuronais e ao processo de mielinização incompleto.

Á medida que novos estímulos vão sendo incorporados na vida deste sujeito, novas conexões são exigidas, e os comportamentos motores, intelectuais, e vegetativos sofrem processo de amadurecimento.

A plasticidade cerebral não se deve apenas à resposta a eventos externos ao organismo, mas também à eventos internos, incluindo efeitos hormonais, lesões e genes anormais.

Como a experiência altera a estrutura cerebral?

Inicialmente é necessário fazer uma reflexão acerca dos locais onde se processam as funções cognitivas. A inteligência é o produto da exploração de inúmeras informações visuais, táteis, auditivas, olfativas e gustativas processadas e armazenadas pelo cérebro. O substrato biológico dessas funções pode ser representado pelas estruturas que constituem o córtex cerebral (células nervosas e suas conexões).

Em uma das experiências científicas para se comprovar os efeitos do meio ambiente na plasticidade cerebral, os cientistas criaram dois grupos de ratos. O primeiro grupo foi criado num laboratório dentro de uma gaiola, com apenas água e comida. O outro grupo foi criado numa gaiola repleta de objetos de diferentes cores e formas, uma rampa que dava acesso a um andar superior da gaiola. Ou seja, estes animais além dos estímulos cognitivos, como visualizar, tocar os objetos diferentes, ainda faziam atividades físicas.

Quando se fazia testes de inteligência (adaptados para os ratos) os animais da segunda gaiola tinham desempenho muito melhor. Em outro experimento os cientistas procederam com o mesmo método, mas analisaram a estrutura do cérebro através de técnicas histológicas. O primeiro dado interessante foi que houve aumento na espessura do córtex cerebral. E esse aumento não era devido apenas ao maior número de células nervosas, mas também ao aumento expressivo das ramificações neuronais, ou seja, os dendritos e axônios. Em reposta aos estímulos, as partes dos neurônios que mais se modificaram foram os dendritos, e isto significa que no córtex cerebral a intercomunicação entre as células. Ou seja, a experiência altera a estrutura dos neurônios no cérebro, especialmente no córtex. O maior número de estruturas envolvidas nas sinapses, e portanto o maior número de sinapses. Essas informações nos levam à ideia de que, a experiência alterando a morfologia, altera o funcionamento e provavelmente o comportamento do indivíduo. Frente aos estímulos o indivíduo teria mais opções de respostas.

Nos seres humanos , diversos casos relatados na literatura e novos exames por método de ressonância magnética funcional sugerem que a plasticidade cerebral observada nos ratos pode ser extrapolada para os seres humanos. Tarefas mentais como ouvir, falar, fazer um cálculo ou lembrar de algum fato faz áreas diferentes do cérebro aumentar o seu metabolismo, ou seja consumir mais glicose, e provavelmente realizar mais sinapses.

Uma questão importante a ser definida é: quanto tempo dura a plasticidade cerebral? A vida toda, no entanto, ela é máxima aos 7 anos de idade mais ou menos e diminui com o envelhecimento. Caso interessante relacionando ao tempo de duração da plasticidade cerebral, pode ser constato por estudo realizado com freiras católicas vivendo em um convento nos Estados Unidos. As freiras apresentavam uma longevidade maior do que o restante da população (várias tinham mais de 100 anos). Aquelas que viviam mais, eram aquelas que praticavam atividades como ensino, pintura, palavras cruzadas.

Do mesmo modo que a estimulação causa o enriquecimento do nosso cérebro, a falta dela no início da vida pode ser desastrosa. Crianças abandonadas em orfanatos, vivendo em ambientes sem praticamente nenhum estímulo ambiental, sem interação pessoal com os adultos apresentaram desenvolvimento motor e cognitivo semelhante a crianças com retardo. Um caso que pode ilustrar o texto acima aconteceu com uma garota que experimentou severas privações sociais, intelectuais e desnutrição crônica devido a um pai psicótico. Quando foi encontrada aos 13 anos, após ter passado grande parte de sua vida em um quarto fechado e ser punida por fazer qualquer barulho, apresentava baixo desenvolvimento. Após trabalho de reintegração dessa criança, apresentou rápido crescimento e desenvolvimento cognitivo, mas o desenvolvimento da linguagem permaneceu gravemente retardado. Tais fatos nos mostram que há um período crítico, ou seja um período do desenvolvimento no qual algum evento possui uma influência duradoura sobre o cérebro. Por exemplo, para a linguagem esse período crítico ocorre até os 12 anos de idade aproximadamente.

Sugere-se que a inteligência deve ser influenciada pela experiência. E pode-se dizer que pessoas educadas em ambientes estimulantes maximizariam seu desenvolvimento intelectual, e as pessoas criadas em ambientes empobrecidos não atingiriam seu potencial intelectual.

Há que se tomar cuidado com o significado de ambiente enriquecedor. Por exemplo, pessoas que vivem em condições de vida precária (ex. favela), não tem o que se pode chamar de ambiente enriquecedor, mas não significa que não tenha estímulos cognitivos.

Se as conexões são a chave para o aprendizado, e se a maioria dos neurônios não se reproduz durante a vida, como essas células conseguem manter esse vigor físico necessário para suportar a plasticidade cerebral? A reposta vem de substâncias químicas produzidas pelas próprias células nervosas, denominadas de fatores neurotróficos, e que agem como nutrientes para os neurônios, promovendo a “saúde” destas células e otimizando a sua capacidade de realizar novas sinapses.

A quantidade dos fatores neurotróficos está relacionada a vários fatores:

  • à própria atividade das células, ou seja, quanto mais ativas as células nervosas, maior a produção destas moléculas;
  • tipos específicos de estimulação sensorial, principalmente aquelas fora da rotina, produzem novos padrões de atividades nos circuitos nervosos, e levam à sua maior produção;
  • stress provoca o aumento de hormônios corticosteróides, que diminui a disponibilidade dos fatores neurotróficos.
  • atividade física aeróbica aumenta a disponibilidade dos fatores neurotróficos.

 

Deve ficar claro a definição de novas e ricas estimulações para o cérebro e o seu limite. Pois o excesso de estímulos provoca uma sobrecarga, que conduz ao stress. E na intenção de estar otimizando o funcionamento cerebral, muitas pessoas acabam por uma caminho reverso. Ou seja, submetidos ao stress e os efeitos negativos cerebrais, como diminuição da memória e consequentemente do aprendizado.

Como a mente possui um substrato orgânico, representado pelo sistema nervoso, em especial pelo cérebro, que dá suporte ao componente psíquico, podemos inferir que a ampliação da malha neuronal abre novos caminhos que aumentam a capacidade do cérebro processar o conhecimento através de suas funções neuropsicológicas. Nesta visão de que funções neuropsicológicas são funções mentais, cuja manifestação concreta é a capacidade de pensar, pode-se entender a plasticidade como algo muito mais amplo do que um mero somatório de mecanismos neurofisiológicos adaptativos que conferem ao sistema nervoso maior ou menor complexidade e sim como algo que também possibilita ao sujeito durante toda a sua vida modificar ou ampliar a sua capacidade de pensar.