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MEMÓRIA E APRENDIZAGEM

CONCEITO

Memória consiste no processo mediante o qual se adquire, se forma, se conserva e se evoca a informação.

Muitas das experiências que vivenciamos não esquecemos. Por exemplo, uma visita às Cataratas do Iguaçu. A exuberância da natureza combinada com a abundância e a fúria das águas. Cada pessoa guardará essas imagens de forma particular, pois a memória mescla experiências vividas no ambiente com as nossas vivências interiores. Assim somos seres "únicos" porque aprendemos e lembramos das nossas experiências. O conjunto de memórias de cada um determina aquilo que se denomina personalidade ou forma de ser.

Poderíamos nos perguntar, mas afinal como se processa a memória? Se fôssemosdefini-la de uma forma simples poderíamos dizer que memória é a aquisição, o armazenamento e a evocação de informações. A aquisição é também denominada de aprendizado. A evocação é também chamada recordação, lembrança, recuperação.

A memória de trabalho, também chamada de memória operacional, é a interface entre a percepção da realidade pelos sentidos e a formação ou evocação de memórias. Para exemplificar a memória de trabalho poderíamos dizer que é a memória de um número telefônico que alguém nos diz e esquecemos logo depois de discar. A memória de trabalho não forma arquivos duradouros, nem deixa traços bioquímicos. É funcionalmente distinta dos outros tipos de memória, as quais formam arquivos por meio de uma seqüência de eventos bioquímicos.

Costumamos classificar as memórias, em relação ao seu conteúdo, em dois grandes grupos: as memórias declarativas (aquelas para fatos ou eventos e qualquer informação que possa ser expressa conscientemente) e as memórias procedurais, as quais envolvem basicamente habilidades motoras e/ou sensoriais, também chamadas de hábitos. O processamento das memórias declarativas envolve o hipocampo, córtex entorrinal, além de outras estruturas corticais. Entre as memórias declarativas, aquelas que são mais "carregadas" emocionalmente (aversivas, emocionais) são fortemente moduladas pela amígdala (conjunto de núcleos nervosos situados nos lobos temporais). As memórias declarativas sofrem influência do estresse, do humor e da motivação. As memórias procedurais ou implícitas são adquiridas gradativamente e, além disso, evocadas de modo inconsciente. Para exemplicar melhor: as memórias procedurais são as nossas habilidades de montar quebra-cabeças, andar de bicicleta, nadar. As memórias de procedimentos ou implícitas sofrem pouca modulação pelas emoções e estados de ânimo.

Do ponto de vista de duração, as memórias classificam-se em curta duração, a qual dura de alguns minutos a poucas horas, e a memória de longa duração que permanece dias, semanas e anos. Ambas possuem alterações (traços) bioquímicos. As memórias de curta e de longa duração são processos separados, mas interdependentes.

A memória é uma função do sistema nervoso. Os neurônios (células nervosas) emitem prolongamentos aos quais chamamos de axônios, que enviam informações através da liberação de substâncias, e dendritos que recebem as substâncias liberadas pelas terminações dos axônios. As substâncias liberadas pelos axônios são chamadas de neurotransmissores. Os neurotransmissores ao serem liberados em uma pequena fenda entre os neurônios, denominada sinapse, ligam-se em proteínas da superfície celular, denominadas receptores. O glutamato é o principal neurotransmissor excitatório (o qual apresenta um papel fundamental na memória), enquanto o ácido gama amino butírico (GABA) é o principal neurotransmissor inibitório. Existem muitos outros aos quais chamamos de neuromoduladores: a serotonina, a dopamina, a acetilcolina, a noradrenalina. Esses neuromoduladores modulam a memória e estão diretamente relacionados com o processamento das emoções, com o nível de alerta e estados de ânimo. Todos sabemos como é fácil aprender ou evocar algo quando estamos atentos e de bom humor, ao contrário, o quanto nos custa aprender qualquer coisa ou até lembrar coisas simples quando estamos cansados, deprimidos ou muito estressados. Todo esse processo é regulado por sinapses noradrenérgicas, dopaminérgicas e serotonérgicas.

Além dos moduladores citados acima, a consolidação (armazenamento) da memória de longa duração sofre influência dos "hormônios do estresse", ß- endorfina, adrenocorticotropina (ACTH), os corticóides, adrenalina, noradrenalina e vasopressina circulantes. Todos esses hormônios atuam através do núcleo basolateral da amígdala (responsável pela mediação de memórias emocionais). Com exceção da ß- endorfina, que inibe a consolidação da memória em qualquer dose, os demais "hormônios do estresse" melhoram a consolidação em níveis moderados e a inibem em doses ou concentrações elevadas. Isso explica o que chamamos de "branco" quando estamos excessivamente estressados.

Nos últimos 15 anos houve um grande avanço nas neurociências, especialmente em relação aos mecanismos fisiológicos e moleculares da formação, consolidação e evocação da memória. No entanto, desde o final do século XIX que Ramon y Cajal (1893), postulou corretamente que as memórias consistem na modificação na forma e na função das sinapses envolvidas na formação dessas memórias. Esse processo de modificação sináptica chamamos de plasticidade neuronal. Cada experiência vivenciada estimula o processo de plasticidade neuronal em diferentes espécies, que vão desde invertebrados aos humanos.

Embora possamos armazenar tantas experiências quanto possível, podemos dizer que tão importante quanto o armazenamento de informações é o seu esquecimento. O fenômeno do esquecimento é fisiológico e desempenha um papel adaptativo. Imagine só se fôssemos capazes de "guardar" tudo aquilo que vivenciamos com uma riqueza de detalhes, seria praticamente impossível, pois levaríamos boa parte do nosso tempo recordando cada detalhe vivenciado. No entanto, quando o esquecimento é patológico, e prejudica de maneira irreversível a vida cognitiva do indivíduo, estamos diante de um quadro de doença neurodegenerativa. A mais comum delas é a doença de Alzheimer. Na sua fase inicial o indivíduo esquece fatos mais recentes. À medida que a doença evolui, a memória remota do paciente é afetada, culminando com o não reconhecimento dos parentes e pessoas mais próximas, perda das habilidades e por fim da sua própria identidade. Essas lesões ocorrem inicialmente no córtex entorrinal e, a seguir, no hipocampo. A utilização de fármacos para o tratamento da doença de Alzheimer, bem como de outras demências, até o momento, são pouco específicos e eficazes. Porém, está bastante claro que o exercício contínuo da memória em suas diversas formas pode prevenir ou ao menos retardar o aparecimento das demências e da doença de Alzheimer.