O ESTADO E POLITICA
Conceito
O Estado moderno surgiu da desintegração do mundo feudal e das relações políticas até então dominantes na Europa.
Como já vimos, no período medieval, o poder estava nas mãos dos senhores feudais, que mantinham o controle sobre a maior parte das terras e sobre toda a sociedade.
Esse tipo de dominação foi pouco a pouco sendo minado pelas revoltas sociais dos camponeses, pela recusa ao pagamento de impostos feudais e pelo crescimento das cidades e do comércio, que apressaram a desagregação dos feudos. Paralelamente, a partir do século XIY, ocorreu um processo de centralização e concentração:
- das Forças Armadas e do monopólio da violência;
- da estrutura jurídica, isto é, dos juízes e dos tribunais em várias instâncias;
- da cobrança de impostos - um signo do poder e, ao mesmo tempo, o meio de assegurar a manutenção das Forças Armadas, da burocracia e do corpo jurídico;
- de um corpo burocrático para administrar o patrimônio público, como as estradas, os portos, o sistema educacional, a saúde, o transporte, as comunicações e outros tantos setores.
A centralização e a concentração desses poderes e instituições caracterizam o Estado moderno, que assumiu diferentes formas até hoje.
Depois que nos livrarmos do preconceito de que tudo o que faz o Estado e a sua burocracia é errado, malfeito e contrário à liberdade, e de que tudo o que é feito pelos indivíduos particulares é eficiente e sinônimo de liberdade - poderemos enfrentar adequadamente o verdadeiro problema. Reduzido a uma só frase, o problema consiste em que, em nosso mundo moderno, tudo é político, o Estado está em toda parte e a responsabilidade política acha-se entrelaçada em toda a estrutura da sociedade.
A liberdade consiste não em negar essa interpenetração, mas em definir seus usos legítimos em todas as esferas, demarcando limites e decidindo qual deve ser o caminho da penetração, e, em última análise, em salvaguardar a responsabilidade pública e a participação de todos no controle das decisões.
"Todo o Estado se funda na força", disse Trotski em Brest-Litovsk. Isso é realmente certo. Se não existissem instituições sociais que conhecessem o uso da violência, então o conceito de "Estado" seria eliminado, e surgiria uma situação que poderíamos designar como "anarquia", no sentido específico da palavra. [...]
Hoje, porém, temos de dizer que o Estado é uma comunidade humana que pretende, com êxito, o monopólio do uso legítimo da força física dentro de um determinado território. [...] O Estado é considerado como a única fonte do "direito" de usar a violência. Daí "política", para nós, significar a participação no poder ou a luta para influir na distribuição de poder, seja entre Estados ou entre grupos dentro de um Estado.
Democracia, representação e partidos políticos
As diversas formas que o Estado assumiu na sociedade capitalista estiveram ligadas à concepção de soberania popular, que é a base da democracia. Mas tal soberania só se torna efetiva com a representação pelo voto. Para ampliar o número de pessoas com direito de votar e ser votadas foram necessárias muitas lutas. Isso significa que o liberalismo só se tornou democrático porque foi forçado a isso. Na época do liberalismo clássico, somente o homem adulto economicamente independente tinha instrução e era considerado capaz de discernimento para tomar decisões políticas. Desse modo, a representação durante muito tempo foi bastante restrita.
Tomemos como exemplo a Inglaterra, a pátria do parlamentarismo e da democracia moderna.
Logo após a chamada Revolução Gloriosa (1688), que limitou os poderes do rei e atribuiu ao Parlamento autoridade sobre o governo, somente 2% da população tinha direito de voto. Em 1832, quase 150 anos depois, após uma reforma eleitoral, esse índice subiu para 5%. As mulheres só conquistariam o direito de votar em 1928.
Podemos entender muito melhor a "igualdade política" defendida pelo pensamento liberal, que é a base ideológica do sistema capitalista, quando lemos o que disseram grandes pensadores liberais, como Benjamin Constant (1787-1874), Immanuel Kant (1724-1804) e Edmund Burke (1729-1797).
O pensador francês Benjamin Constant afirmava que as pessoas condenadas pela penúria ao trabalho diário e a uma situação de eterna dependência não estavam mais bem informadas acerca dos assuntos públicos que uma criança; por isso, não podiam desfrutar o direito eleitoral. Era necessário ter o tempo livre indispensável para adquirir os conhecimentos e os critérios justos. Só a propriedade proporcionava esse tempo livre e deixava os indivíduos em condições de exercitar os direitos políticos.
Immanuel Kant, filósofo alemão, afirmava que para exercer os direitos políticos era necessário não ser criança ou mulher. Mas não bastava a condição de homem; era preciso ser senhor de uma propriedade que lhe desse sustento.
O dependente, o criado e o operário não podiam ser membros do Estado e não estavam qualificados para ser cidadãos.
Muitas pessoas também pensam que só se pode fazer política institucional por meio dos partidos políticos. Mas os partidos nasceram por causa da pressão exercida por quem não tinha acesso ao Parlamento. No início do Estado liberal, a ideia de partido era inaceitável, pois se considerava que o Parlamento devia ter unidade de formação e pensamento, não comportando divisões ou "partes" (o que a palavra partido expressa).
Votavam e eram votados, na prática, apenas os que possuíam propriedades e riqueza, ou seja, aqueles que podiam viver para a política, já que não precisavam se preocupar com seu sustento. Assim, o Parlamento reunia os proprietários. Estes discutiam as leis que regeriam a sociedade como um todo com base na visão deles.
No Brasil, a ampliação da participação política é um processo recente. Os detentores do poder, a serviço de uma minoria, por muito tempo mantiveram a maioria da população fora do processo eleitoral.
Só para termos uma ideia, da proclamação da República, em 1889, até 1945, o número de eleitores foi de somente 5% da população aproximadamente, com pequenas variações. Em 1960, esse índice havia subido para 18%. Em 1980, 47% da população podia participar das eleições e, em 2006, perto de 70% da população tinha o direito de voto. Isso não significa que esse total de votantes participou efetivamente das eleições. Sempre houve um percentual significativo (de 15% a 20%) de ausências. Ou seja, cem anos se passaram para que a população pudesse participar majoritariamente das eleições no Brasil.
Houve evolução também na consciência do eleitor, em relação ao tempo em que se comprava o voto dos mais pobres. Essa prática diminuiu gradativamente, à medida que se intensificou o processo de urbanização e diminuiu a pressão dos "coronéis" e seus comandados sobre a população rural, que ainda era maioria em 1960. Contribuiu para essa evolução o desenvolvimento das regras eleitorais e das técnicas de votar, principalmente o voto secreto com cédulas únicas impressas pelo governo central e a introdução de urnas eletrônicas. Colaboraram ainda a fixação de regras mais claras e a fiscalização da Justiça Eleitoral.
No entanto, essas mudanças não foram suficientes para acabar com as práticas clientelísticas ainda presentes no cotidiano político dos brasileiros.
Sobre a capacidade de governar, o que podemos observar é que, recentemente, depois da Constituição de 1988, o poder político civil deixou de ser vigiado pelos militares, que, desde o início da República, estiveram à frente dos governos ou ficaram nos bastidores influindo diretamente na condução da política nacional.
Após a proclamação da República surgiram vários movimentos que procuravam criar espaços de participação política.
Os movimentos de trabalhadores sempre estiveram à frente desse processo, principalmente na luta por melhores salários e condições de trabalho.
Outras lutas foram desenvolvidas, mas sempre eram reprimidas, pois a questão dos direitos, por muito tempo, foi vista como um caso de polícia ou uma concessão por parte dos poderosos ou do Estado. Somente nos últimos anos os movimentos sociais tiveram espaços institucionais, quer por meio de leis, quer mediante organizações que lutam pela garantia dos direitos.
A maior participação institucional nas decisões políticas foi uma conquista da população, que se mobilizou organizadamente em diversas instituições, e não uma concessão dos poderosos. Pode-se dizer que no Brasil existem muitas leis que geram direitos, mas estes com frequência não são garantidos. Assim, os grupos que reclamam, lutam e exigem que seus direitos sejam observados são vistos por muitos governantes e por setores conservadores da população como baderneiros e insensíveis aos esforços do governo em fazer o melhor.
A democracia no Brasil é algo muito recente e ainda está se consolidando.
Ela continuará crescendo se as regras institucionais para as eleições e o exercício do poder forem ampliadas, para possibilitar a participação da população, e se os movimentos sociais tiverem mais liberdade para lutar pela manutenção dos direitos fundamentais e a criação de novos direitos. Somente quando a maioria da população tiver educação de qualidade, condições de se alimentar adequadamente e condições decentes de vida social, poderemos ter democracia no Brasil.
O Estado no Brasil sempre se sobrepôs à sociedade, como se fosse algo fora dela. Nós aprendemos desde cedo que tudo depende do Estado e que nada podemos fazer sem a presença dele, atribuindo-lhe a responsabilidade pelos problemas da sociedade e por suas soluções. Assim, se culpamos o Estado pelas dificuldades que enfrentamos, também dele esperamos socorro e proteção - o que vale tanto para os proprietários de terras, os empresários industriais e os banqueiros quanto para o restante da população. Para esclarecer essas características das relações entre o Estado e a sociedade no Brasil, vamos examinar a relação entre o que é público e o que é privado.
Privatização do público
Podemos dizer que houve no Brasil uma apropriação privada do que é público, ou seja, quem chegava ao poder tomava conta do PÚBLICO como se fosse seu. Dessa forma, a instituição que deveria proteger a maioria da população - o Estado - adotou como princípio o favorecimento dos setores privados, que dominaram economicamente a sociedade. O Estado beneficiava esses setores e também era beneficiado por eles, que lhe davam sustentação.
Para o restante da sociedade, as políticas públicas foram sendo desenvolvidas na forma de "doação" ou de dominação, em nome da tranqüilidade social. Isso não significa que a população tenha sido sempre passiva. Ao contrário, muitas ações do Estado resultaram da pressão dos movimentos sociais no país.
A política do favor, o clientelismo
A relação entre público e privado no Brasil também pode ser caracterizada como uma política do favor. Ela se desenvolveu desde o período colonial e apresenta-se ainda hoje como um dos suportes das relações políticas nacionais entre os que têm o poder político e os que têm o poder econômico.
Essa troca de favores políticos por benefícios econômicos é também conhecida como clientelismo. Ela pode ser observada, por exemplo, na distribuição pelo poder público de concessões de emissoras de rádio e canais de televisão ou financiamentos para empresas, sempre em busca de apoio e sustentação de um partido, de uma organização ou de uma família no poder. Isso não ocorre somente nos setores considerados atrasados da sociedade; é uma prática utilizada também pelos setores considerados modernos, que sempre encontraram no Estado um aliado nos momentos de crise.
A política do favor aparece também no cotidiano, na relação dos indivíduos com o poder público. Ela acontece na busca de ajuda para resolver problemas, emergências de trabalho, saúde, etc. Expressa-se ainda na distribuição de verbas assistenciais e nas promessas de construção de escolas, de postos de saúde e de doação de ambulâncias, feitas às pessoas ou às instituições por vereadores, deputados e senadores. Tudo para render votos futuros.
Nepotismo e corrupção
Muita coisa mudou na administração pública desde as reformas administrativas de Getúlio Vargas e de outros governos, que instituíram gradativamente concursos públicos para a maioria dos postos de trabalho e procuraram implantar uma administração com certo grau de profissionalização, no sentido definido por Max Weber, com a impessoalidade da função pública. Mesmo assim, sabemos que ainda há casos de manipulação nos concursos públicos e a prática do nepotismo, ou seja, o emprego ou o favorecimento de parentes em cargos públicos, ainda que isso seja proibido por lei.
Quando ocorrem atos de corrupção na administração pública, a reação costuma ser marcada pelo moralismo, que se caracteriza por atribuir ao caráter pessoal do funcionário ou político envolvido a responsabilidade pela malversação dos recursos públicos. Não se procura evidenciar as relações políticas, econômicas, sociais e culturais que estão na raiz das práticas de favorecimento e tráfico de influência. Assim, há uma simplificação desse fato, pois se acredita que bastaria fazer um governo com os homens e mulheres "de bem" para que tudo fosse resolvido.
A corrupção existe em todos os países do mundo, tanto nas estruturas estatais como nas empresas privadas. No Brasil, ela se mantém no sistema de poder porque, como vimos, o favor e o clientelismo continuam presentes.
O combate à corrupção requer a criação de mecanismos que a coíbam, garantindo que os envolvidos sejam julgados e condenados por seus atos. E isso tem sido feito com a ajuda de funcionários públicos, promotores e juízes que não aceitam mais essas velhas práticas.